UM CONTO DE NATAL - VERSÃO PENTAGAMIA

Era Véspera de Natal. A vida corria pelas ruas, com a euforia das compras de última hora, a felicidade por horas perdidas no trânsito e o carinho daqueles que esticam o dedo do meio ao vizinho que quase os transformam em adornos de Natal na dianteira da viatura com a pressa de ir para casa da família. Todos estão felizes e contentes, pois é Natal, época de Paz, Amor e Companhia, mas sem sexo porque é pecado.

Todos? Todos não... Um conceituado homem de negócios do ramo da restauração continua com o seu ar ranzinza de sempre. Ebenezer Scroog3r é um riquíssimo taberneiro cuja razão de viver é só uma: dinheiro! E é com ele e para ele que tem vivido todo o seu tempo. E nesta véspera de Natal, o seu pequeno empregado, de seu nome Iks Scratchit, dirigiu-se a Scroog3r e perguntou:

- Exmo Sr. Scroog3r, vinha perguntar-lhe se se confirma que hoje vai fechar a taberna efectivamente apenas uma hora depois do que seria espectável. Dava-me tanto jeito, porque meus os pequenitos queriam que eu passasse algum tempo com eles nesta véspera de Natal, e como a caminhada até casa ainda é longa, ainda para mais com as muletas que eu uso, por causa do joelho, e tal…
- Iks, vocês está, por acaso… LOUCO??? Já imaginou a carrada de rabanadas e de sonhos que podemos vender durante a noite aos retardatários? Nunca!!! Fechar às 21:00?? Você só pode estar a gozar…
- Mas é Natal e…
- E então??? Natal é negócio…

Scroog3r continuou agarrado às contas e Iks ao balcão. Por volta das 21:30, Iks aproximou-se do escritório onde Scroog3r continuava a contar dinheiro.

- Exmo Sr. Scroog3r… já não há ninguém na rua. Será… será que já podemos fechar?
- Deixe-me ver… - Scroog3r vai à porta e olha lá para fora. – Efectivamente, penso que se aparecer, será mais um ou dois clientes… Mas como é Natal e você liga a essas parvoíces, vá-se lá embora e amanhã venha às 8:30 em vez de às 8:00!
- Amanhã? Mas… Mas…
- Vá lá e não diga que não sou generoso…
- Pronto, está bem…

Dirigindo-se para a porta, Iks vira-se e diz:

- Sr. Scroog3r, tenho pena de sí… Se olhasse menos para o dinheiro e mais para as pessoas, certamente não estava sozinho… Boa noite e bom natal…
- Sim sim… adeus adeus, até amanhã…

Iks lá foi cocheando pela rua fora. Scroog3r recolheu à sua mansão, do outro lado da rua. Tomou o seu banho e deitou-se na cama a rever os orçamentos para o ano seguinte. Eis senão quando começa a ouvir no corredor o barulho de correntes… Scroog3r está algo assustado, mas levanta-se e vai ver…
- ARGH!!!! MAS… MAS QUEM ÉS TU?????
- Não te lembras de mim, Scroog3r? Sou Al-Esgalhed, o dono da loja de chás da Pérsia onde hoje é a tua taberna de luxo e que compraste por tuta-e-meia por causa do teu franchise dos chás da china... Morri há uns anos de fome e no além arranjei emprego como Fantasma do Natal Passado!
- Mas… Espera lá… Tu não és muçulmano???
- Tu próprio o dizes! Natal é negócio!
- Mas afinal, porque é que estou a falar contigo, sua nuvem de fumo com cheiro a caril?
- Estou aqui para te mostrar como és mau… Anda comigo!

De repente, num estalar de dedos, Scroog3r vê-se com o Fantasma num quarto de hospital. Na cama, estava Iks, o seu empregado, de perna esticada!

- Olá… mas… mas isto foi há uns 10 anos!!! Lembro-me bem deste dia… As coisas que esta gente arranja só para não ir trabalhar…
- Espera… espera… - diz o Fantasma, como quem espera qualquer coisa.

Entra a mulher do Iks, preocupada:

- Então, minha miniatura? Que aconteceu?!?!
- Olha, fui a correr durante a minha pausa de 10 minutos para almoço comprar este relógio para o Sr. Scroog3r, com o aumento que ele me deu. Escorreguei na neve e parti o joelho. Mas assim, com este aumentozito, já poderemos viver melhorzinho e comer arrôz todos os dias!! É chato porque não posso ir trabalhar nos próximos dois dias, mas ele certamente compreenderá.

Nesse preciso momento, entra no quarto Scroog3r:

- Iks, seu calão!!! Está a dormir porquê?
- Sr. Scroog3r, eu parti…
- Se partiu, paga! Não ando a comprar louça para você partir!
- Mas o joelho…
- O joelho cura-se, a loiça não se cola… Vamos embora, preciso de sí!
- Não posso, o médico não deixa…
- Não deixa? Esqueça o aumento! Pensei que você fosse uma pessoa de princípios… E amanhã, esteja lá bem cedo!
- Sr. Scroog3r, queria então só…
- Escusa de agradecer o posto de trabalho!! Já sei, não importa! Já sabe que se não cumprir arranjo outro… Adeuzinho!
- Ahmmm… Querida… Podes ir à loja trocar o relógio? Devem dar algum dinheiro por ele e assim poderemos comer um pouquito de arroz no natal…

Scroog3r estava enterrado de vergonha debaixo do seu barrete de pijama…

- Que bonito… Muito bonito… - dizia o Fantasma do Natal Passado.
- Eu não tenho culpa que os empregados sejam todos mandriões. Quando se grita muitas vezes lobo…
- Quantas vezes havia o Iks faltado ao emprego até este dia…
- Ora, em 10 anos de serviço, até aí, considerando os fins-de-semana, descontando aquela semana de férias em 87, tendo em conta os 6%... o PIB é de 3 mil milhões… 6% de…
- QUANTAS???
- Nenhuma…
- E quantas faltou depois disso?
- Ora, mais 10 anos, consi…
- Aham!
- Nenhuma…
- Pensa bem no que vais fazer da tua vida, Scroog3r… Pensa bem… Muito bem…

O Fantasma desaparece. Scroog3r ainda está a coçar a cabeça quando desata a ouvir tiros! Da névoa do corredor surgem dois outros fantasmas: uma mulher de cabelos ao vento com vestido Versace e saltos da altura de um anão e um gajo de fato e com uma metralhadora na mão a disparar em tudo o que mexe.

- Então, gato? Tudo bem?
- Quem és tu???
- Sou a Gaja Fantasma do Natal Presente e este é o Mafioso Fantasma do Natal Futuro! Ele gosta mais de trazer almas para este mundo e eu falo por ele e por mim, porque acho muito mais giro falar com as pessoas do que tirar-lhes a alma!
- Que futuro tão pouco risonho...
- A culpa é dos filmes do Van Damme, Chuck Norris, Teletubbies ou outros que tais que apresentam o futuro sempre como algo caótico e violento! Ele não foge à regra...
- OI! OI! Calma!!! Pára tudo!!!! Há aqui um engano qualquer!!! Mas que raio de coisa se passa aqui??? Pelo que sei, isto é uma adaptação do “Conto de Natal” de Charles Dickens! E nesse livro, os fantasmas aparecem um de cada vez!!!
- Olha lá, mas tu achas que o pessoal tem pachorra para estar a ler o “Conto de Natal” todo outra vez??? Aparecemos os dois porque é mais rápido e despacha-se tudo de uma vez, Presente e Futuro!!! Bom, vamos lá a saber o que queres saber, pois isto já vai longo!! Eu trato do presente! Queres saber o quê, primeiro???
- O resultado do Benfica e se o Eusébio já marcou algum golo
- Não está a jogar e saberias que o Eusébio já não joga há 40 anos se comprasses um jornal de vez em quando! Humpf… bom, vou ter de ser eu a mostrar…

Um pequeno laivo de 5 segundos sobre o presente apenas dá para ver a esposa de Iks a gritar “SÓ AGORA??? QUE VELHO FILHA DA P…” quando o coxinho abre a porta de casa. Scroog3r está escandalizado, obviamente.

- E eu que achava que ela até era educadinha…
- Calma… Oh Al Saraivone, mostra-lhe lá a tua parte.

Após uma rajada de metralhadora, são os 3 enviados para os jardins da mansão Scroog3r. Há uma enorme festa!! Imensa gente, conhecida e desconhecida de Scroog3r. Ele está escandalizado.

- Quem deixou entrar estes pobres todos??? Quem fez uma barbaridade destas???? Quem está alí a distribuir coisas e a dar presentes???? Quem está a gastar todos aqueles quilos de carne nesta gentinha??? AAAAAAAAAAAARGH!!!!!!! MAS SOU EU!!!!!!!!

Scroog3r esperava tudo menos aquilo… Ele próprio, vestido de Pai Natal, a distribuir presentes aos pobres, a grelhar e a cozinhar toneladas de comida para imensa gente, de amigos a desconhecidos, numa campanha de Natal sem interesses, em que todos eram benvindos, fossem ricos ou pobres. Todos os que estavam nos jardins estavam felizes, em confraternização, trocando lembranças entre sí, de pedras da calçada talhadas a PSP’s com o “Need For Speed ProStreet”. Scroog3r trouxe a felicidade àquelas pessoas… o do Futuro, porque o actual tinha já tido 4 síncopes cardíacas!

- Mas que desgraça é esta? Porquê??? Porquê????
- Porque deste-te conta que as pessoas podem ser boas umas para as outras e que o dinheiro e o preço das prendas vale o mesmo que uma pedra da calçada nesta vida!
- Mas eu acho o Natal uma palhaçada consumista, apenas vivo disso! Porque iria dar uma festa de Natal????
- Quem disse que era Natal??? Estamos em Outubro, no dia de anos do Deusdedito, um mendigo que acabaste por contratar como gerente para uma das tuas tabernas. Ebenzer, tu… Ebenezer?… EBENEZER!!!!!

Naquele momento, um ataque cardíaco fulminante já havia levado Scroog3r para o outro lado. Morreu logo alí com o desgosto de saber que se ia tornar um homem bom, sem interesses materiais e em que ia fazer do espírito natalício algo contínuo e sem interesses de retoma todos os dias do ano. Morreu porque não concebia a sua vida sem o sentir o gosto por ganhar mais dinheiro para não gastar e ter no banco, ou então gastar para sí e só para sí.

E todos foram muito mais felizes (principalmente a família Scratchit) para sempre, sem Scroog3r a chateá-los!

Ebenezer Scroog3r morreu e levou consigo o seu desdém pelo Natal. Mas no fundo, era no Natal que era mais feliz, com a venda absurda de sonhos, rabanadas e garrafas de vinho reserva que fazia durante esta época ano após ano! Ebenezer Scroog3r era o exemplo máximo do aproveitamento do consumismo natalício sem regras nem bondade… e morreu…

Morreu?... Hummm… Será?... Nada disso! A sua alma contaminou umas plantas ao pé de sua casa e o seu pólen espalhou-se com os ventos. Os pequenos folícolos alojaram-se nas fossas nazais de toda a gente e aí desenvolveram raízes e injectaram os genes Scroog3rianos, permitindo assim serem passados geneticamente a toda a prol dessas pessoas. Assim, hoje todos temos um pouco de Scroog3r dentro de nós!

FIM... E FELIZ NATAL